segunda-feira, janeiro 19, 2015

O América na Era Pelé (Parte 8)

Um jogador entre os 59 mortos

Disputado no segundo semestre, o Campeonato Paulista de 1960 começou com derrota do América por 2 a 1, em casa, para o Guarani. No improviso, com Bertolino de técnico interino, a equipe rio-pretense tropeçou em outras partidas e já começava a preocupar. Por isso, era importante vencer aquele jogo em Taubaté, na noite de 24 de agosto.
Um dia antes, o garoto Andy, em início de carreira e começando a ser utilizado entre os profissionais, chega para a comissão técnica e faz um pedido. Queria ser dispensado da viagem para se juntar à fanfarra da Escola Técnica de Comércio Dom Pedro que, ao lado dos estudantes do Ginásio Riopretano, fariam uma apresentação na cidade de Barretos.
O América viajava na véspera do jogo, concentrando-se em São José dos Campos, para o compromisso em Taubaté. Hildebrando Rodrigues da Silva, o Andy, foi autorizado a permanecer em Rio Preto e, no dia seguinte, feliz, integrava a fanfarra. Na mesma noite, mais uma vez o América era derrotado, por 1 a 0, e começava a ficar com a situação complicada no campeonato.
Mais tarde, os jogadores ficaram sabendo pelo radialista Adib Muanis que a maior derrota não tinha ocorrido em Taubaté, mas no rio Turvo, na divisa dos municípios de Guapiaçu e Olímpia. Um ônibus desgovernado despencou nas águas com 65 estudantes dentro. Eram os estudantes rio-pretenses que compunham a fanfarra e se dirigiam para uma apresentação em Barretos.
O ônibus chocou-se contra o pequeno muro de proteção e mergulhou nas águas do Turvo. Morreram 59 e Andy era um deles. A capota ficou amassada. Os bombeiros tiveram muito trabalho para virar o ônibus com o lado da porta lateral para cima, arrancando-a  para a remoção dos corpos. Depois, foram retirados os vidros e a remoção foi feita pelas janelas.
Era quase ao amanhecer quando os corpos começaram a ser levados de volta para Rio Preto. O dia foi inteiramente dedicado aos preparativos para a missa de corpo presente. Quase às 17 horas, começa a missa em frente à Catedral. Dom Lafayette Libânio, o bispo, fala emocionado:
­– Desceu a sombra da morte sobre nossa cidade. Eles passaram da terra para a eternidade. Eles passaram do sofrimento para a luz.
E continua:
– O maior sufrágio para as almas é a lágrima derramada de conformidade com a vontade de Deus. As lágrimas da mãe que purificam a alma do filho; as lágrimas do pai que auxiliam a maior felicidade ao filho.
Era incalculável o número de pessoas que se aglomeraram em frente à Catedral. A multidão se dispersou quase às 18 horas, quando os caixões foram levados para o cemitério.
Na extensão de toda a Avenida da Saudade, moradores se postaram para presenciar a passagem do cortejo fúnebre. Saindo da área central e depois entrando por aquela avenida, os caixões foram conduzidos ao Cemitério da Ressurreição, na Vila Ercília, bem ao lado do estádio “Mário Alves Mendonça”. Já era noite e um poderoso holofote foi instalado pela Prefeitura. O trabalho final dos sepultamentos só foi completado no dia seguinte, quando as fotos do acidente, produzidas por Jayme  Collagiovanni, estampavam as páginas do Diário da Região.
O estádio abriu os portões à população para a celebração da Missa de Sétimo Dia, em 31 de agosto. O jogo entre América e Santos, marcado para aquela semana, no dia 28, foi adiado para 17 de setembro. A grande maioria dos moradores estava envolvida sentimentalmente com aquele acontecimento quando outra notícia trágica chegou ao município: o avião Cessna 140, pilotado pelo agropecuarista rio-pretense Milton Terra Verdi, desaparecera ao sobrevoar a selva boliviana.

quinta-feira, janeiro 15, 2015

O América na Era Pelé (Parte 7)

Oito a zero, quatro gols do Rei

Pelo segundo ano consecutivo o América disputava a elite do campeonato e até então não havia dado moleza para o grande Santos. Mas ninguém resiste tanto e por tanto tempo quando do outro lado estão os mágicos da bola e no meio deles um rei. Foi o que os jogadores do América descobriram ao voltar à Vila Belmiro em 14 de outubro de 1959, o terceiro jogo do América no segundo turno do campeonato.
– Fecha la janela, morôtio, fecha la janela, morôtio.
Morôtio era como o goleiro argentino Vilera chamava os seus companheiros. Ele queria dizer “fecha as pernas, negrão”.
Os gênios da Vila estavam ali decididos a operar o milagre da multiplicação do futebol e esperaram só sete minutos para abrir as janelas, com Pepe, cobrando pênalti de Ambrózio sobre Dorval. Aos 21, outro pênalti, de Fogosa, em cima de Pepe, que cobrou e marcou de novo.
Pelé marcou aos 38 do primeiro tempo, aos 4, aos 31 e aos 33, no segundo tempo. Pagão deu os dois últimos golpes de misericórdia, aos 37 e aos 41. O América ficou de sacola cheia, como nunca havia ocorrido antes. Foram 8 gols a 0, quatro dos gols marcados pelo Rei.
Num dos lances, Pelé estava frente a frente com Fogosa, no mano a mano, Vilera gritando ‘fecha la janela’ desesperado dentro da pequena área e Bertolino debaixo dos paus, protegendo uma das traves. O Rei deu uma ginga de corpo, fez que chutou e não chutou para chutar em seguida. A bola passou não só no meio das canetas de Fogosa como passou pelo meio das pernas de Bertolino e foi parar no fundo das redes.
Ambrózio esbravejava, inconformado e inapelavelmente batido:
– Não é possível. Eles estão com vinte em campo contra onze do nosso time. Pode contar.
Ele tinha razão: um ataque com Dorval, Jair, Pagão, Pelé e Pepe, decididamente, valia e fazia por mais de vinte. Sem contar os outros, Manga no gol, Pavão, Mourão, Getúlio, Formiga e Zito, coadjuvantes de primeira naquela orquestra.
Escalados pelo técnico Pedrinho, os bravos Vilera, Carlos e Fogosa; Bertolino, Julinho e Ambrózio; Silvano, Guimarães, Santos, Osmar e Urias, pelo menos, carregariam o consolo de entrar para a história. Foi um alívio quando Dino Passini apitou o final do jogo, que teve arrecadação de 322 mil e 100 cruzeiros.

Dias depois, em 2 de novembro de 1959, os jogadores do América ficavam sabendo que o prefeito Alberto Andaló havia morrido em São Paulo. Valdomiro Lopes da Silva assume a Prefeitura e “batiza” a avenida Duque de Caxias como “Avenida Alberto Andaló”, construída sobre o Córrego Canela.

sábado, dezembro 20, 2014

O América na Era Pelé (Parte 6)

Nocauteou todo mundo, menos o América

Quando a delegação do Santos voltou a Rio Preto em 1959, com Pelé e companhia, o prefeito Alberto Andaló já havia adiantado as obras de canalização e urbanização do Córrego Canela. A tabela marcava jogo no “Mário Alves Mendonça” para o dia 30 de agosto. A torcida ainda guardava na memória aquele empate de 0 a 0 do ano anterior e a boa impressão que o América havia deixado na derrota apertada de 3 a 1 em Santos.
Alvoroço na cidade. Aviões teco-teco sobrevoam Rio Preto anunciando o espetáculo em enormes faixas ao vento. Foi preciso a Polícia Militar entrar em ação e abrir o caminho para que os craques se dirigissem ao estádio. Enfim, em campo, a constelação: Manga, Pavão e Mourão; Ramiro, Formiga e Zito; Dorval, Jair, Pagão, Pelé e Pepe. Prontos para enfrentar Lugano, Fogosa e Ambrózio; Carlos, Bertolino e Julinho; Cuca, Colada, Santos, Adésio e Urias.
Colada revela-se o atacante mais lúcido de toda a partida, enquanto Lugano dá espetáculo no gol do América, quando acionado. Mas quem marcou primeiro foi mesmo o Santos, aos 28 minutos. Depois de uma tabelinha com Pelé, Dorval colocou o Peixe em vantagem. No entanto, o América precisou só de sete minutos para empatar, com Colada, de cabeça, após escanteio cobrado por Urias. O goleiro Manga ficou só olhando, confiando cegamente no grandalhão Pavão, que não saiu do chão.
O Santos voltou a marcar aos 18 minutos do segundo tempo. A defesa falhou, Pelé lançou pelo alto para Pagão, que matou no peito, girou, fintou Fogosa e fuzilou Lugano. Dois minutos depois, Julinho perdeu uma bola na intermediária, Pelé se aproveitou, tabelou com a canela de Fogosa e chutou. A bola saiu de estilingada, no canto alto esquerdo.
Pelé e Fogosa passaram todo o segundo tempo trocando farpas e faltas em campo, sob os olhares complacentes do árbitro Norberto Rodrigues de Paula. Aos 44 minutos, o América chegou ao segundo gol, reduzindo a desvantagem para 3 a 2. Cuca caiu sobre a bola e o juiz viu pênalti de Mourão. Fogosa cobrou e marcou, para consolo da torcida, que deixou 695 mil 275 cruzeiros nas bilheterias do estádio “Mário Alves Mendonça”.
Um placar insatisfatório para o Alvinegro, que estava goleando todo mundo de novo: 8 a 2 no XV de Jaú, 4 a 1 no Guarani e ainda faria 6 a 1 no Noroeste, 6 a 2 no Comercial e 5 a 2 na Ferroviária. Diante do América, mais uma vez dureza para Pelé e amigos.

sexta-feira, dezembro 19, 2014

O América na Era Pelé (Parte 5)

Conhecendo a praia e bebendo água salgada

Era novembro. A data do jogo do segundo turno, na Baixada Santista, se aproximava. Um dos melhores amigos de Ambrózio, Bertolino alertava, com frio nas espinhas:
– Pode botar as barbas de molho, compadre.
Ambrózio concordava:
– Nossa Senhora. Eles vão meter uns 15 gols na gente.
O América havia jogado em São Paulo no domingo e aproveitou a viagem, descendo para Santos, onde o time jogaria na quarta-feira. A segunda-feira foi de folga e a diretoria, representada por Antenor Pereira Braga, o “Tuta”, liberou os jogadores para conhecer a praia. Era a primeira vez que muitos atletas viam o mar.
Em direção à praia, faceiras meninas passeavam pela calçada do Hotel Atlântico, onde o América estava concentrado, e não deixavam por menos:
– Olha lá, mais uma vítima do esquadrão da morte - zombavam, apontando para os jogadores.
– Eu, hein! Será que vai ser mesmo? - rebatia Ambrózio, exibindo o sorriso amarelo dos ressabiados e um sotaque cantarolante.
Bertolino, que estava resfriado e seria substituído por Xatara, não perdia a animação. Convidou os companheiros para ver a praia de perto. Aproveitou para pregar uma peça nos jogadores.
– Olha lá, rapaziada, é bom levar toalha e sabonete, senão vocês não têm como tomar banho direito.
Pelo menos cinco marinheiros de primeira viagem seguiram o conselho e foram para a praia de toalha de banho no pescoço e sabonete nas mãos, fazendo a alegria de Bertolino, que caía na gargalhada.
Cuca abaixou-se e pegou um pouco de água com as mãos. Levou à boca e reagiu, surpreso:
– Nossa, jogaram sal na água! Não dá para beber isso, não.
Curioso, Ambrózio foi conferir:
– É salgada mesmo, Cuca!
Até que um morador se aproximou e, segurando o riso, explicou que a água do mar era salgada naturalmente. Também tratou de informar aos rapazes que não deveriam usar toalha de banho nem sabonete na praia.
Desfeita a curiosidade, Ambrózio queria nadar. Tinha a sunga por baixo, mas permaneceu de calção também. Ficou receoso quando avistou alguns caranguejos. Entusiasmado com a beleza da praia do Gonzaga, Ambrózio quis garantir uma recordação:
– Esperem aí que já volto – Atravessou a avenida Ana Costa, chegou ao hotel Atlântico. Voltou com uma garrafa de vidro vazia.
– Vou encher de água do mar e levar para Rio Preto.
Bertolino se arriscava a perder o amigo, mas não perderia aquela piada:
– Tudo bem, mas só tem um problema. Tem de deixar só um pouco mais da metade. Se você encher, a água vai estourar a garrafa quando a maré ficar alta.
Mesmo não entendendo muito aquela conversa de maré, Ambrózio desistiu da garrafa. Foi assim, de alma lavada pelas águas salgadas da praia do Gonzaga, que os jogadores se recolheram. Treinaram sério na terça-feira e tiveram cuidado com a refeição. Um dia antes dos jogos, eles comiam filé com arroz. No dia do jogo, só canja.
Enfim, chegara o dia do massacre anunciado, 5 de novembro. O América era todo ansiedade quando entrou em campo com Vilera, Xatara e Fogosa; Adésio, Julinho e Ambrózio; Cuca, Leal, Colada, Fernando e Hélio. Do outro lado, envergando a camisa do Peixe, estavam Manga, Ramiro e Dalmo; Getúlio, Urubatão e Zito; Hélio, Jair, Guerra, Pelé e Pepe.
A teoria começou a ser contrariada pela prática com apenas 6 minutos de partida, quando o atacante Fernando fintou dois jogadores santistas e inaugurou o marcador a favor do América.
Demorou meia hora para que o Santos se recuperasse daquele início surpreendente do América, quando Pelé garantiria o gol de empate. O Peixe virava o placar aos 3 minutos do segundo tempo, com Hélio, em pênalti cometido por Ambrózio. Apenas aos 44 minutos de partida, Guerra conseguiu fazer o terceiro.
A máquina santista vencia, mas comparando com outras atuações, havia emperrado. Resultado: Santos 3 a 1. Um placar absolutamente apertado, o América exibindo um futebol digno dos grandes times. Não restava dúvida. Considerando os massacres que o Santos vinha executando sobre os outros concorrentes, aquilo ali poderia ser considerado quase que uma vitória.
Ambrózio se sentia verdadeiramente um vitorioso e satisfeito com a resposta que havia dado às meninas, aquelas meninas que tinham previsto massacre:
– Olha que o segundo gol do Santos foi um pênalti injusto. Fui limpo na jogada, mandando a bola para escanteio, e o juiz achou que toquei no centroavante deles.
Mais felizes ainda ficaram os jogadores americanos quando Pelé, ainda um menino e já um rei, apareceu nos vestiários, minutos depois de encerrada a partida.
– Vocês estão mesmo de parabéns. Pela garra, pela voluntariedade, realmente me surpreenderam.

Dito isso, abraçou Ambrózio e foi embora. Naquele 1958, Pelé foi artilheiro do Paulistão com 58 gols.

quinta-feira, dezembro 18, 2014

O América na Era Pelé (Parte 4)

O Rei em Rio Preto pela primeira vez

Um projeto do Executivo, aprovado por 16 votos a 2 pela Câmara de Vereadores, libera 1 milhão de cruzeiros para a ampliação das arquibancadas do estádio “Mário Alves Mendonça”. Sob coordenação dos dirigentes e esportistas Euplhy Jalles, Francisco Curti, Leonardo Gomes, Jaime Benedito da Silva e Alberto Cecconi, as obras avançam e abrem o caminho para o olimpo.
Em 1958, apenas doze anos depois da fundação, o América já estava na elite do futebol, tinha o estádio reformulado e, logo no começo, ganhava o “torneio início”, avant-première festivo da competição, com jogos de curta duração, todos no Pacaembu, em um só dia. Era o ano em que o Brasil vivia a febre de ter sido campeão do mundo pela primeira vez, em gramados da Suécia.
Edson Arantes do Nascimento, Pelé, tinha pouco mais de 17 anos, em início de reinado, quando Ambrózio, agora já com 20, o conheceu, por ocasião dos primeiros jogos entre América e Santos. Adversários de respeito mútuo, tornaram-se amigos casuais, de encontros pelos gramados, desde o primeiro duelo, em 3 de agosto de 1958.
Antes da partida, Pelé foi entrevistado por Rubens Muniz, nos estúdios da PRB-8 Rádio Rio Preto. O Rei encontrou-se no local com o prefeito Alberto Andaló, que preparava-se para iniciar, em seguida, o seu programa radiofônico dominical.
Os torcedores lotaram o estádio “Mário Alves Mendonça” e deixaram 644 mil e 590 cruzeiros nas bilheterias. A torcida viu o América mandar três balaços na trave do goleiro Laércio. Ninguém reclamou do juiz. Telemaco Pompeu teve uma atuação considerada pelos cronistas como regular.
A apaixonada imprensa doméstica preferiu poupar o juiz, porque a arbitragem tinha sido de bom tamanho para o time da casa. Uma penalidade máxima de Fogosa sobre Pelé tinha sido solenemente ignorada. Mesmo assim, a crônica fez questão de registrar para a posteridade que o juiz deixou de marcar um “pé alto” quase na cabeça do americano Colada, na área santista.
A defesa havia sido o ponto forte do América, sob a liderança de Vilera e participação ativa de Bertolino. O jogo ainda teve Leal como bom valor da vanguarda. Daquela vez, o bom Urias estava sem condições físicas que permitissem ser o elemento decisivo de outras jornadas, mas no geral todo o time fez boa partida, alinhando Vilera; Bertolino e Fogosa; Adésio, Julinho e Ambrózio; Cuca, Leal, Dozinho, Colada e Urias. O Santos trazia como atração Pepe, Zito e Pelé, três campeões do mundo. Jogou com Laércio; Getúlio e Dalmo; Fioti, Ramiro e Zito; Dorval, Álvaro, Pagão, Pelé e Pepe.
O Santos estava longe do brilhantismo costumeiro, falhando principalmente no trabalho de ligação com o ataque. Na meia cancha, Álvaro produziu pouco e Zito teve seus passos bem vigiados.  Quem mais se destacou foi Getúlio, segurando as avançadas do ataque do América.
Pelé foi a principal figura, mesmo não correndo atrás da bola para disputá-la com os adversários. Mas mostrou sua alta classe com um jogo malicioso, leve, insinuante. Sabia trabalhar com a bola parada ou na corrida e sabia colocar-se em condições de servir e ser servido. Tivesse maior cooperação de Álvaro e Pagão, poderia ter decidido o jogo.
A rodada tinha sido difícil para todos os times grandes. Enquanto o Santos tropeçava no 0 a 0 diante do América, o São Paulo ficava no empate de 1 a 1 com o Nacional. Em Piracicaba, o XV não deixava por menos e arrancava empate de 1 a 1 diante do Corinthians. Esse mesmo placar foi o máximo que o Palmeiras conseguiu jogando contra o Noroeste, em Bauru. Para completar, a Portuguesa de Desportos ficou no 1 a 1 com a Ferroviária, em Araraquara.
A classificação não contava pontos ganhos, mas pontos que os times deixavam de ganhar. Ou pontos perdidos, como se costumava dizer. Se a vitória valia dois pontos, no empate deixava-se de ganhar um ponto e na derrota eram dois os pontos perdidos. Os líderes do campeonato, depois daquela rodada em que os times do Interior resolveram dar trabalho, eram Santos, Corinthians e São Paulo, cada um com três pontos perdidos. Depois, aparecia o Palmeiras, com seis. O América era o sexto colocado entre os 19 times, com 11 pontos perdidos, junto com a Ponte Preta e o XV de Piracicaba.

Nem sempre foi tão equilibrado assim. Na sequência daquele campeonato, o Santos andou submetendo seus concorrentes a verdadeiros vexames. Fez 6 a 0 no XV de Piracicaba, 4 a 0 na Ponte Preta, 4 a 0 na Prudentina, mais 4 a 0 no Botafogo, 7 a 3 no Jabaquara, 8 a 1 no Guarani, 8 a 1 no Ypiranga, 9 a 1 no Comercial de Ribeirão Preto e 10 a 0 no Nacional, da Capital. Sobrou até para o Corinthians, que levou de 6 a 1, e o Palmeiras, que sofreu 7 gols mas fez 6.

quarta-feira, dezembro 17, 2014

O América na Era Pelé (Parte 3)

Subindo para a Elite

(continuação)
Era o dia 30 de abril de 1957 quando o América iniciava o Campeonato Paulista de Acesso, jogando no estádio “Mário Alves Mendonça” contra o rival Rio Preto. Contratado pelo presidente José Villanova Perez, o técnico João Avelino Gomes escalou Vilera, Valter e Fogosa; Adésio, Bertolino e ele, o Ambrózio; Cuca, Leal, Dozinho, Colada e Urias. O Rio Preto teve Tonico, Glostora e Xorete; Bem, De Maio e Jair; Enéas, Didié, Miranda, Alencar e Titio.
Na primeira etapa, Cuca recebeu próximo à área e procurou escapar. Foi trancado por Jair. O juiz marcou pênalti e Bertolino fez 1 a 0. Quase no final do primeiro tempo, numa falta pela direita do ataque do Rio Preto, o empate: a bola desceu na área e a defesa ficou parada. Miranda entrou decidido e acertou bela cabeçada: 1 a 1. O gol decisivo na etapa final: Ambrózio lançou para a área, Cuca recebeu pelo meio, a defesa ficou indecisa. Cuca chutou de virada e marcou com um chute baixo no canto: 2 a 1.
A vitória no “derby” embalou o América. Seguiram-se muitas vitórias e a equipe liderava isoladamente quando iniciou o segundo turno jogando de novo contra o Rio Preto. Agora, no estádio do adversário, o “Victor Brito Bastos”, em 16 de julho de 1957.
O rival escalado com Tonico, Glostora e Xorete; Bem, Alencar e De Maio; Bacurau, Enéas, Didié, Orestes e Célio. O América, com Vilera, Xatara e Fogosa; Adésio, Bertolino e Ambrózio; Cuca, Leal, Dozinho, Vidal e Urias. Final, 1 a 0 para o América, gol de Dozinho aos 8 minutos do segundo tempo, aproveitando uma falha de Xorete, que foi cortar um cruzamento e chutou o vento.
O América completou uma invencibilidade de 27 partidas na vitória de 2 a 0, dois gols de Colada, dia 17 de setembro, em Tanabi, mesmo dia em que o Rio Preto, no estádio “Victor Brito Bastos”, se despedia da competição com vitória de 2 a 1 sobre o Garça.
Naquele dia, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, o prefeito Alberto Andaló recebia das mãos do presidente Juscelino Kubitscheck o título de “município mais progressista do Brasil”. A homenagem foi conferida a Rio Preto pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal e Revista Cruzeiro, considerando o desenvolvimento do município no ano anterior.
Entusiasmado, Andaló anuncia, logo após retornar a Rio Preto:
– Até o fim do ano inauguro nosso Cristo Redentor aqui na nossa cidade.
Enquanto o América seguia a caminhada rumo à elite, no alto da Vila Maceno a Prefeitura erguia uma estátua do Cristo Redentor, réplica do Cristo do Rio de Janeiro.
Depois de uma pausa e vitória em casa por 2 a 1 sobre a Portuguesa de Desportos, em jogo amistoso, o América iniciou a fase final com empate de 2 a 2 diante do Catanduva, em Pindorama. Na sequência, fez 1 a 0 em casa no Taquaritinga, ganhou de 3 a 1 em Jundiaí, perdeu de 1 a 0 para o São Bento em Sorocaba e ganhou em Rio Preto de 2 a 0 do Corinthians de Prudente.
No embalo, faz 1 a 0 no Catanduva em Rio Preto, recepciona o Paulista de Jundiaí com goleada de 4 a 0 e perde de 2 a 1 em Taquaritinga. Fica a um passo do título da Segunda Divisão de Acesso ao golear por 6 a 1 o São Bento, de Sorocaba, em Rio Preto.
Depois de muito equilíbrio e igualdade de dois gols ao final do primeiro tempo, o América vencia o Corinthians prudentino por 3 a 2. Dois gols de Urias e um de Leal, de pênalti. Plínio marcou os dois do time da casa. Triunfo do treinador João Avelino, que escalou Vilera, Xatara e Fogosa; Adésio, Bertolino e Ambrózio; Cuca, Leal, Dozinho, Oscar e Urias.
Aquela vitória consagradora em Presidente Prudente só não ficou completa porque no mesmo dia o destino foi traiçoeiro. Em 29 de dezembro, falecia Jesus Villanova Vidal, pai do presidente campeão.
(continua)

terça-feira, dezembro 16, 2014

O América na Era Pelé (Parte 2)

Rio Preto perdia um pedreiro promissor e ganhava um jogador carismático. Entrosar com a turma não foi difícil, mas Ambrózio ainda sabia pouco do América. Curioso, quis saber como o clube surgiu. Perguntou para o homem certo. Teatral, Birigui fazia pausa e até simulava diálogos toda vez que começava a contar aquela história de uma locomotiva que em um certo dia de janeiro de 1946 cortava a paisagem rural quase ao entardecer:
 *
A locomotiva acabava de passar em Catanduva e seguia em direção a Rio Preto. Em um dos vagões estava o engenheiro da Estrada de Ferro Araraquarense (EFA) Antônio Tavares Pereira Lima, que puxa conversa com o amigo Victor Buongermino:
– Sabe, meu caro Victor! Quero montar um clube de futebol. Um time para calar a boca do Canizza.
A reação foi imediata:
– Pode contar comigo, Antônio.

Canizza era principal jogador da equipe do Bancários, o “bicho-papão” do futebol amador de Rio Preto. Vivia desafiando a todos e a se gabar das suas peripécias futebolísticas. Victor e Antônio não suportavam mais ouvir falar daquele nome. Chegaram a Rio Preto e levaram a idéia a outros companheiros de futebol domingueiro.
Era noite de segunda-feira, 28 de janeiro de 1946, quando se reuniram 53 esportistas no Hotel São Paulo, 3º andar do Edifício Curti, na rua Bernardino de Campos. Queriam “Dínamo”, mas desistiram porque um dos presentes lembrou que aquilo “era coisa de comunista”, pois lembrava o Dínamo Moscou, da União Soviética. Mário Alves Mendonça sugeriu:
– Vamos arrumar um nome neutro, capaz de agradar a todas as torcidas, inclusive as de times grandes.

Como o América do Rio de Janeiro, inclusive com distintivo parecido, acrescido das inscrições “São José do Rio Preto” na base. Camisas vermelhas, calções brancos e a figura de um diabinho para mascote.
– Pronto, vai se chamar América. América Futebol Clube! – decretou Pereira Lima.
Escolher o nome, cor de camisa e criar o clube parecia tarefa fácil. Montar o time era um pouco mais complicado. Aclamado presidente, Antônio Pereira Lima descobre que ele próprio é o único jogador. Joga de centroavante. Incumbe o colega Mário Alves Mendonça de ir a São Paulo, registrar o clube na Federação Paulista de Futebol.
Cinco dias depois, chega a primeira contratação, o goleiro Bob, que jogava no rio-pretense Palestra Esporte Clube, e atuou no Rio Preto Esporte Clube. Outros dissidentes do Rio Preto chegam para reforçar o time. Entre eles, o ponta-esquerda Benedito Teixeira, aquele de nome artístico “Birigüi”. Os amigos tinham colocado dinheiro do bolso para dar o impulso inicial.
– Vamos chamar o Canizza para o duelo, Antônio?
– Que nada, Victor. Não vamos jogar contra time amador. Já registramos o América na federação para disputar o Estadual. Só precisamos de alguns amistosos.
Duas semanas mais tarde, o time estava montado, registrado e fazia o jogo de estréia. O adversário não era o Bancários, do falastrão Canizza. Contra aquele adversário, o América nunca jogou. Foi marcado um amistoso contra a Associação Atlética Ferroviária, de Araraquara (precursora da Associação Ferroviária de Esportes, a Ferrinha).
A dois dias do amistoso, a partida ainda não tinha local definido. Birigui se encarregou de dar a notícia a Pereira Lima:
– O Rio Preto está bravo conosco e não quer emprestar o estádio.
A diretoria do Rio Preto negou o estádio “Victor Brito Bastos” ao rival que estava nascendo porque estava contrariada com a debandada de alguns dos seus craques. Pereira Lima responde que vai pedir o campo do Palestra. É atendido, mas na véspera chove muito e o gamado fica todo alagado. Pereira Lima foi obrigado a levar a partida para Mirassol. Ele pagou a viagem de trem para os torcedores. Era 17 de março.
O jogo foi disputado no estádio “Giocondo Zancaner”. O novo time nasceu vitorioso, ganhando de 3 a 1 da Atlética Ferroviária. Quirino abriu o placar marcando um gol de falta. Fordinho, de cabeça, fez 2 a 0, Sacarrolha descontou e, no segundo tempo, Dema deu números finais ao placar. O árbitro foi José Nicolletti Sobrinho. O técnico Zezinho Silva, vindo do Guarani de Catanduva, escalou Bob; Hugo e Edgar; De Lúcia, Quirino e Miguel; Morgero, Dema, Pereira Lima (Nelsinho), Fordinho e Birigui.
Formado pela escola Politécnica de São Paulo, Pereira Lima – jogador e dirigente – também se envolveu na política e foi eleito vereador de Rio Preto em 9 de novembro de 1947. Com Pereira Lima, o América começava a ganhar força política. Mas ainda foram mais de dois anos como inquilino, ora do Palestra Esporte Clube, ora do Mirassol e até do Rio Preto. Meses depois, com os torcedores fornecendo a mão de obra, esportistas garantindo doação de recursos e Mário Alves Mendonça cedendo o terreno, o clube começava a construir o estádio, no alto da Vila Santa Cruz.

O goleiro titular Agostinho Brandi, o “Tino”, estava contundido em 27 de junho de 1948 quando o América inaugurou o estádio “Mário Alves Mendonça” jogando com Sandro (depois Pedrinho), Cai-Cai e Edgar; Evaristo, Prates e Mimosa; Ernane (Agnaldo), Fordinho, Miranda, Ramon Gomes (Cavalheiro Ramos) e Tite.
Foram necessários apenas os primeiros quatro minutos de bola rolando para que Maneco abrisse o placar para o América do Rio de Janeiro, o visitante. Somente aos 39 minutos do segundo tempo o América, anfitrião, chegou ao empate de 1 a 1, com o ponta Tite. Renda de 86 mil cruzeiros e arbitragem de Licínio Perseguitti, da Federação Paulista de Futebol.